22 de maio de 2012

Arraiolos...

Porque gosto de bordar tapeçaria em ponto de arraiolos?

Porque ouso compara-lo a minha vida. Em sua forma, cor, finalidade, beleza, intenção e por fim, a realização do trabalho executado.

A tela que dá a base e sustenta todo o tapete, em sua rusticidade e singeleza, contém em suas tramas os fios da vida. Cada fio tem o seu destino, o seu curso, e por muitas vezes se entrelaçam entre si no decurso do destempo. Cada fio do tapete, é um fôlego de vida. É algo que te segura na base, no seu chão, e que te traz a condição real de seguir a jornada.

Os desenhos que formam o tapete em sua complicada trama, são as minhas marcas. Aquelas que trago no decorrer da existência e que, ao desenhar na tela de juta, marco os pontos que irei bordar. Caso eu erre alguma marca tingindo o fio da trama no lugar errado, posso fazer uma nova ao lado, mas jamais serei capaz de apaga-la e sim, apenas cobri-la quando com agulha e linha for tecido.


As cores... Ai as tais cores das lãs rusticamente trabalhadas, de forma cardada artesanalmente, como se fossem as oportunidades que temos diariamente de trazer a cor a vida. Cada cor tem a sua importância no conjunto harmonioso que deverá formar. Cada cor representará um estado de espírito e humor, seja ela cinzenta ou rubra. E assim, escolho o tom que irei dar ao tapete sendo tecido no momento.

 A tensão do ponto, ora mais flexível, ora mais apertado, é a medida em que me importo com os aborrecimentos da vida. A agulha em sua forma é o filtro com o qual meço a extensão dos meus braços, dispondo na tela todo o meu afeto ou desamor. O buraco da agulha em que passa a lã, é a parte que me cabe deixar fluir, ou ajustar os acontecimentos diários.


 Já as franjas são as arestas que aparo. Por vezes e, particularmente muitas vezes, ouso tecer um tapete sem franjas. Fica mais simples só com o cordão no acabamento, que sela o pensamento e aquieta o coração. Quando liberto os meus pensamentos, faço franjas enormes, trabalhadas, com cores vivas que harmonizam o conjunto como um todo.
 
E por fim, mesmo usando a goma base para deixar o tapete esticado e perfeito, ainda é possível obter a flexibilidade necessária. Mesmo que tal goma não deixe que alguém escorregue, ao pisar sobre um piso perfeitamente lustrado, ela será firme em seu propósito e tão leve a ponto de ficar transparente para ninguém vê-la.


Posso tecer ao longo da vida vários tapetes, de várias cores, com vários propósitos. Mas, cada um, na sua medida exata, irá refletir um pedaço meu e contarei uma nova história.

Por ora, são só pensamentos de outono em face a hibernação que se aproxima, e nada mais..